segunda-feira, 26 de março de 2012

Cotidiano.

Nós sempre fomos os mesmos.
Como música em língua estrangeira, que não se entende o que foi dito, mas se sente a melodia.
Desde sempre fomos iguais. Mesmo diferentes.
Nunca mudamos por mais que quiséssemos. O restaurante era o mesmo, o número do pedido era o mesmo, até o vinho era aquele tinto com gosto doce demais que sempre me enjoava, mas que eu nunca discordei.
Tínhamos planos, projetos, trajetos. Tudo era feito com perfeição, antecipado, nunca éramos pegos de surpresa. E eu odiava isso em você.
Eu odiava que você escolhesse o local das férias e o hotel onde ficaríamos. Odiava quando você decidia o tipo de molho de tomate no supermercado. Odiava quando tudo era pago no seu cartão de crédito.
E eu odiava não ir contra nada disso. Odiava o fato de aceitar por amor, de evitar brigas e transtornos. Talvez se eu fosse mais segura, eu teria gritado com você e escolhido praia ao invés de montanha nas férias. Só pra contrariar.
Tudo em nós era rotina.
Eu chegava sempre mais cedo do trabalho e preparava um macarrão com queijo. Você chegava sempre 45 minutos depois de mim, tirava a gravata, reclamava do escritório, enchia o copo de uísque e colocava o vinil de jazz pra tocar.
Eu sorria enchendo minha taça de vinho e te mostrava o lado bom do seu dia, mas seu negativismo discordava com o olhar e você me abraçava pra evitar o assunto. O cheiro do seu cigarro invadia minhas narinas enquanto você me beijava o pescoço. E fazíamos amor. De forma enlouquecedora, pois era o único lugar onde éramos um na mesma vontade e sintonia.
E tudo seguia assim. Monótono. Igual.
Até que um dia deixou de ser. Eu briguei. Você gritou. Nós discordamos. E evoluímos.
Eu quebrei seu vinil, você rasgou meu melhor vestido. Nós fechamos o ciclo. E não houve lágrimas.
Não restou nada de nós. Nos tornamos dois cacos de um vaso quebrado que não tem conserto. Nunca notamos que éramos dois, e que dois é melhor que um.
Nos perdemos no caminho e não buscamos a saída. Não temos mais jeito. Não somos os mesmos, nunca fomos, e nunca seremos. Não há solução.
...
E ainda assim eu preparo o macarrão com queijo, espero 45 minutos e quando você não chega, eu observo os papéis de divorcio sobre o centro da sala, encho o copo de uísque e ouço jazz. Porque você não percebeu, mas não foi o seu vinil preferido que eu havia quebrado.

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