segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Por fim.

No meio da noite ela chora. Seu lençol roxo fica úmido com suas lágrimas sofridas. No meio da noite ela observa seu reflexo no espelho. Observa seus olhos inchados e vermelhos. Observa suas unhas por fazer e pelo reflexo vê também o mural de fotos na parede.
Passa seus dedos entre o cabelo embaraçado. Não se dispõe a acender a luz para não ter mais nitidez do que vê no vidro refletor. Pede em seu íntimo que em algum momento aquela dor passe e que ela possa voltar à vida. Reza silenciosamente que seu coração deixe de sangrar e que ela tenha coragem para abrir as cortinas e deixar o sol inundar seu apartamento. E sua alma.
Caminha pelo quarto de pés descalços. Pode sentir o frio da cerâmica sob eles e não se abala. Já está abalada demais pra se preocupar com qualquer coisa. Observa o mural de fotos apenas pela luminosidade da lua refletida dentro do quarto. Vê beijos, sorrisos, dedos entrelaçados, abraços. Se vê naquele mural ao lado dele. Cada encontro, cada momento registrado ali. Soca a parede com força. Mais uma vez. Mais uma vez. Sente o sangue correr forte pelo corpo. Sente um latejar na pele. Sente a dor em sua carne.
E a ignora. Soca mais uma vez a parede. E outra. E outra. Mas não ouve som algum. Seus sentidos foram abafados pelo som de sua alma gritando dentro dela. Ela engole à seco e soca a parede mais uma vez. Sente a pele se romper e uma ferida se abrir. Encara as fotos diante de si e novamente desconta a raiva na parede. O branco deixa de ser branco quando o vermelho do sangue dela mancha tal alvura.
Mantém-se ali por um instante. Sente a dor no punho e chora ainda mais. Pragueja contra aquele que roubou seu amor, contra aquele que tomou-lhe o coração e que tirou o sentido de sua vida. Olha o rosto dele nas fotos. Seus olhos. Seus lábios. Seus cabelos. Fecha os olhos e inspira. Ainda pode sentir o cheiro do perfume dele no quarto. Arranca foto por foto do mural. E as rasga. Com uma gana de quem tem em mãos o coração daquele desgraçado e o está destruindo. Cada imagem partida em mil pedaços se equipara a forma que o coração dela se encontra. Ela grita de dor, arrependimento por ter se entregue, chora descompassadamente e rasga foto por foto. Com uma ira perturbadora. Com um sofrimento mais que palpável.
Depois de nada mais restar inteiro, ela se joga na cama. E rasga os lençóis. Seus dedos doem, sangram. Ela se esforça, puxa de um lado, parte do outro. O cheiro de almíscar invade-lhe as narinas. O perfume dele está impregnado em cada parte do quarto. Ela rasga os lençóis, quebra o espelho, destrói a penteadeira. Revira a cama. Derruba o guarda-roupa. Desconta toda a raiva contida dentro de si. Chora sua perda, sua dor, seu sofrimento, seu desespero. E quando não há mais lágrimas ela abre a janela.
Nota a lua a observar-lhe lá de cima. Olha pra baixo, são apenas doze andares. Não vai demorar tanto. Ela vê o movimento nas calçadas. Os carros que vão e vem. Ela puxa as cortinas e se põe de pé no parapeito. Suas mãos doem, ardem. Sangram. Como seu coração. Ela respira mais uma vez, um ar puro. Sem o perfume dele. Todas as imagens estão se apagando lentamente. Como fotografias perdendo a cor. Ela abre os braços e caí. Tudo fica escuro.
Por segundos as imagens passam em sua mente e ela consegue ouvir o som do próprio coração. Finalmente. Seu coração está de volta onde deveria. Ela então pode sentir paz. Seu fim, afinal, não foi tão ruim assim.

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